quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Segregação espacial da diferença (os extramuros da cracolândia)

Zygmunt Bauman cita um trecho da entrevista do mexicano Subcomandante Marcos no Le Monde  em 1997 onde afirmou: "No cabaré da globalização, o Estado passa por um strep-tease e no final do espetáculo é deixado apenas com as necessidades básicas: seu poder de repressão. Com sua base material destruída, sua soberania e independência anuladas, sua classe política apagada, a nação-estado torna-se um mero serviço de segurança para as mega-empresas" (Globalização - as consequências humanas, 1998).

Pois então, os recentes acontecimentos ocorridos na cracolândia de São Paulo nos leva a seguinte constatação: é inegável que o ser humano tem um comportamento atávico segregacionista, quem não está do lado certo sempre vai ficar de fora dos muros que protegem a nossa redoma. Aliado a isso vivemos em um Estado fraco, sem imaginação, conformado com o estado das coisas, imobilizado pelos interesses econômicos, sucumbindo diuturnamente a tautologia do mais fácil e valendo-se de forma estúpida do único recurso que lhe resta e que revela a sua capacidade repressiva (motivo de orgulho).

O Estado dança nesse cabaré entorpecido pelo ópio da opinião publica (??), resguardado pela idéia de que o importante é manter o perigo fora dos nossos muros, vendendo a falsa sensação de segurança e de ação em defesa da população exposta às mazelas do mundo. E o pior é que há incautos que admiram esse balé decadente, sem convicção e vazio de sentido humanitário.

A desumanidade é evidente, como se não bastasse a nossa tendência atávica pela segregação espacial da diferença, pela necessidade compulsiva de estabelecermos limites de propriedades privadas, estamos a serviço da especulação imobiliária e de interesses não civis ou republicanos, criando muros nos espaços públicos, estabelecendo um visto de quem pode ou não freqüentar determinados lugares.

E o pior, como o capital especulativo (que gira a riqueza do mundo) é flutuante e efêmero, investidores que se prezam não podem esperar um trabalho humanitário (podemos chamar de social) para amenizar as nossas mazelas. O capital não tem pátria, não respeita fronteiras, é indiferente, e tem pressa, aliás muita pressa: depois de um bom negocio sempre haverá outro bom negócio. Nesta ordem, Bauman chega a denunciar (dados da ONU) que na década de 90 apenas 358 felizardos habitantes do nosso planeta detinham renda igual a 45% dos humanos, algo à época época como 2,3 bilhões de pessoas. Entretanto isso é apenas um detalhe estatístico (!).

Voltando a cracolândia, descobrimos que entre nós habitam zumbis, seres cujo o corpo e a alma foram tomados por forças malignas, apropriando-se da sua autodeterminação e que colocam em perigo a ordem instituída por quem está do lado de dentro dos muros da redoma. Amanhecemos constatando que a tecnologia de nossa sociedade ultratech ainda nao conseguiu resolver problemas desta natureza. Na verdade não sabemos o que fazer. A situação se agrava ainda mais pelo fato de alguns habitantes intramuros terem também sidos abduzidos, se perdendo entre os zumbis, revelando um perigo maior aos redomados. O desespero é evidente. A conjunção de fatores exigem uma solução: a ordem é segregar.

Dai voltamos para o velho e bom: o que os olhos não vêem o coração não sente. É uma tentação para o mais fácil. Como a única coisa que o Estado fraco sabe fazer bem é a repressão, a idéia é tirar todo mundo da frente e limpar a área, que poderá ser dignamente freqüentada pelos habitantes da redoma. Aproveitando a oportunidade, a especulação imobiliária se sentirá a vontade para realizar seus fins acumulativos. Todo mundo ganha neste jogo de poder, não há perdedores. O  que resta é simplesmente insignificante, não merece registro, foi varrido para debaixo do tapete.

Triste sina dos habitantes deste planeta carcomido! Legitimamos essa violência nos socorrendo do velho e útil direito penal. Tratar de um problema social com a retórica da lei (penal) é uma teratologia. A ausência de bom senso, de discernimento diante de situações como esta desacredita a humanidade.

3 comentários:

  1. Infelizmente, o Estado insiste em trilhar o caminho mais fácil, que é o da repressão. Escondendo a sujeira debaixo do tapete, quando dá, até onde pode. Mas, assim como ocorre com as consequências das enchentes advindas dos períodos de chuva, chegará uma momento em que a corda arrebentará e os muros cederão, até que se resolva olhar para a raiz do problema.

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  2. Importante reflexão! Mas acredito que se trata de um dos problemas mais difíceis de serem resolvidos. Este, porque a situação de ausência de autodeterminação, de entorpecimento, de dependência, dificulta até mesmo as ações humanitárias. Quem quer carregar o peso daqueles corpos e, mais, procurar a cura daquelas almas enfermas?

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  3. Prezado Sérgio, tenho duas certezas. A primeira é que ainda não sabemos ainda como resolver essa questão. A segunda certeza é que não é pela aplicação da lei penal que vamos resolver esse problema. Essa simplificação não faz sentido. Grande abraço!

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